Antes da aurora
E os cavalos desmoronaram o horizonte,
ecos úmidos de pedras basilares,
e silvaram, a cortar a madrugada,
agrestes palavras, e bárbaras,
a antecipar as vozes sibilantes.
A rainha calva movia, em dificuldades,
a língua tensa, nos seixos de ouro
que na boca lhe rolavam,
e todos em seu redor se comprimiam,
madrugada vermelha e escura,
silenciada num rumor de pedras lançadas.
E, entre o relinchar feroz dos corcéis,
e a amarela dança premonitória
e os sacerdotes violentos de presságios,
a rainha, eleita e devorada,
a futura mãe carnívora,
tranças louras de uma História sincopada,
ensaiava recuperar a voz do Sol,
pedras d'ouro p'la boca,
frémito cru e temeroso
de a demência do astro ardente
se tornar eterna e fatal.
E agitava-se, emudecida,
arrastada em revoada,
corcéis inquietos e trepidantes,
povo de Antes da Aurora,
a galopar p'lo anteontem de Tróia,
a espezinhar as ervas d'Atenas Amanhã,
e a galgar por entre gritos
o Mar aberto das referências,
a singrar onde Tartessos será
e Roma se chamará futura,
ávidos de manhãs serenas,
nas aflições de hoje pressentidas,
línguas rudes a articular
as auroras loucas e imprevisíveis
de uma anunciada Antiguidade.